A sedução de um mistério

Resenha crítica da obra Cinco Minutos, de José de Alencar
Susana Saito Sinhoretti




Proveniente dos textos de folhetins, do Diário do Rio de Janeiro, Cinco Minutos foi o romance de estreia de José de Alencar (1829-1877), um importante escritor do Romantismo brasileiro. Publicada em 1856,  esta obra segue uma estrutura característica do Romantismo, apresentando elementos como subjetivismo, idealização do herói/heroína, personagens planas, um amor de salvação, entre outros.  
Por meio de um foco narrativo em primeira pessoa e utilizando, como estratégia de composição, o gênero epistolar, Alencar apresenta uma oscilação entre harmonia e desarmonia, criando, desta maneira, uma cumplicidade que seduzia o leitor da época – em especial, as mulheres. Esta técnica de composição cria um vínculo de empatia, cuja sensação é de que o destinatário da carta é o próprio leitor.

É o fascínio pelo mistério que conduz o início da história: por conta de um atraso de cinco minutos, um rapaz perde o horário de embarque do ônibus e, ao entrar no coletivo seguinte, senta-se ao lado de uma desconhecida – moça por quem se apaixona perdidamente. A escuridão da noite sem estrelas não o permite ver seu rosto, fato que acarreta um jogo de sedução. Mesmo sem muitas pistas de quem seja esta jovem, o narrador descreve toda a angústia e o amor que sente durante o período de busca por sua amada, até então, ainda anônima. Ao, finalmente, encontrá-la, descobre que Carlota, a desconhecida, tem uma doença que a conduzirá à morte.

Entre o momento da descoberta e o reencontro do casal, mesmo diante do sofrimento e do egoísmo, a luta e a vitória do amor contra o destino superam todos os obstáculos impostos, inclusive a doença de Carlota – curada através de um único beijo. Assim, por meio de uma carta destinada à sua prima, o narrador da história expõe a trama e a concretização de um amor da alma – enlace ocasionado por um atraso de cinco minutos.

Esta obra é fundamental para compreender o início do Romantismo no Brasil e algumas características do cotidiano no Segundo Império. Por meio deste romance urbano, José de Alencar destaca alguns aspectos geográficos do Rio de Janeiro e retrata o comportamento e a vida da sociedade carioca e burguesa da época, como o interesse de um simples pescador quando lhe é oferecido o salário de um mês ou o desapego monetário de um burguês quando se coloca em risco a consumação de um amor.

Embora Cinco Minutos não seja considerada uma obra de destaque entre os romances de José de Alencar, não se pode deixar de admitir a sua importância como um dos pontos de partida do Romantismo brasileiro. O autor desenvolve uma coerência na sequência estrutural, seguindo uma típica "receita de bolo" do Romantismo – na realidade, um abrasileiramento do movimento europeu. Há de se considerar todos os elementos que caracterizam a escola literária em questão, entre eles, os principais: o sentimentalismo exacerbado de um amor idealizado e um contratempo que impede a concretização deste amor. 

Os leitores da época (senhoras, na sua maioria), acolhiam estas histórias como algo além de suas realidades, ou seja, um amor idealizado e, dependendo das circunstâncias, nunca vivenciado. Mesmo que esse excesso de sentimentalismo não atraia tantos leitores atualmente, o mistério que envolve o início da história instiga o leitor a prosseguir sua leitura, apenas para apaziguar a inquietação causada pelo suspense. Esta ânsia é, na verdade, uma  estratégia essencial na composição do enredo – uma técnica muito utilizada nos folhetins para garantir o público.

A maioria dos recentes leitores que critica o romance Cinco Minutos, baseia-se em uma visão simplista e superficial da obra, alegando a falta de originalidade de uma história previsível ou um romance demasiadamente ilusório. O que muitos desses leitores deixam de observar é que essa obra não foi escrita com a intenção de atrair leitores contemporâneos e que, de acordo com a ingenuidade das pessoas daquele tempo, a história não era tão previsível assim – muito pelo contrário: era uma novidade. 

Cinco Minutos, tal como os Best-sellers da atualidade, é uma obra produzida de acordo com o período em que foi escrito, ou seja, é necessário entender de que maneira ocorre a aceitação e o contexto histórico de um determinado público, bem como as intenções do escritor – mesmo que estas não sejam confirmadas ou não passem de meras hipóteses. A Literatura não apenas reflete, mas também molda o comportamento social de uma época.

Existem muitas obras que aparentam ser adaptações ou plágios de obras anteriores, todas direcionadas a um público-alvo. Um exemplo deste fato, que coloca em debate a originalidade da obra Cinco Minutos, pode ser apontado nas indagações de que José de Alencar teria feito uma adaptação do romance de Johann Wolfgang von Goethe – Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774), que tem, além das personagens e do gênero epistolar, uma estrutura muito semelhante ao enredo de Cinco Minutos. A probabilidade é que Alencar tenha apenas se inspirado nesse romance alemão, assim como acontece com as milhares de obras lançadas atualmente, que não deixam de ser meras adequações de obras já existentes.

Quanto à técnica de criar supostos interlocutores, cuja identidade, geralmente, não é revelada, é uma característica própria do autor e da primeira fase do Romantismo. Ao destinar uma carta a um interlocutor anônimo, o escritor estabelece um vínculo de identidade com o leitor, com o objetivo de envolvê-lo e, assim, criar um "ar" de mistério, que o induz a questionar quem seria a tal prima e se seria uma pessoa conhecida ou fictícia. Além disso, um texto em primeira pessoa pressupõe veracidade e um certo poder de persuasão, fatores que inserem o leitor no contexto do livro. 

Ao longo do processo de confecção da carta, Alencar evidencia suas intenções de veracidade: primeiramente, afirma que não é um romance, mas uma história, ou seja, subentende-se que não é uma ficção; em seguida, envolve a participação de terceiros na jornada de encontro à sua amada e, então, o leitor é instigado a imaginar se os fatos realmente aconteceram. Por este motivo, não se pode desmerecer os critérios que José de Alencar  utilizou para convencer suas leitoras – a estrutura, a linguagem e a seleção vocabular são provas de que esta narrativa, aparentemente simples, é uma obra rica em detalhes e fundamental para o Romantismo brasileiro.

Outra característica que pode ser observada no Romantismo, e que também pode ser encontrada em Cinco Minutos, é o que se denomina como "Mal do século". Este movimento, além de desencadear a obra, inspirava os escritores – eles acreditavam que só por meio do sofrimento, do culto à dor que provém do coração, do exílio ou do pessimismo em relação ao futuro, entre outros aspectos, é que surgiriam boas obras. José de Alencar evidencia essa inspiração em alguns momentos da obra, como a doença de Carlota – a tuberculose. 

O termo "Mal do século", está associada, justamente, à tuberculose, cujo tratamento ainda era desconhecido naquela época. Por ser uma doença contagiosa, isso exigia que seu portador permanecesse em exílio, condenado à solidão e ao sofrimento, até o momento de sua morte. Era a dor proveniente do peito (pulmão e coração) que mantinha "vivo" o drama de uma história de amor. No caso da obra Cinco Minutos,  o autor utiliza a doença de Carlota como um empecilho, que impede a concretização do amor, e, atribuído a um diagnóstico sem cura, surpreende o leitor ao curá-la com um beijo, algo que, na verdade, deveria contagiar e condenar o seu amado – é este o amor de salvação, o amor capaz de contrariar as ciências da medicina e realizar milagres. 

Intencionalmente ou não, inspirações baseadas no "Mal do século" têm um poder de persuasão sobre o leitor, principalmente os mais ingênuos. Muitos desses elementos presentes no movimento podem afetar o psicológico de quem lê, ou até mesmo de quem escreve, como ocorreu no século XIX, quando boa parte dos leitores caía em depressão ou suicidava-se após a leitura de obras romanticas.

Nesta obra, também é importante destacar que o escapismo envolve a evasão de lugar, quando o narrador se hospeda em um hotel fora da cidade (acatando o pedido de Carlota para esquecê-la) ou quando Carlota viaja a Petrópolis (para que o narrador não se condene a um amor sem futuro). Em ambas as circunstâncias, existe uma fuga do amor – demonstrando, assim, uma atitude altruísta das personagens. E, ainda sobre o escapismo, também pode-se observar a evasão imaginária, desde o início da trama, quando o narrador é envolvido pelo mistério ou pelos questionamentos (se sua amada seria velha ou feia).

Apesar deste romance não ser contemporâneo, pode-se conciliar traços atrativos aos leitores atuais se compararmos esta obra, por exemplo, aos "namoros/encontros virtuais", cuja paixão é motivada mais pela essência do desconhecido e do imaginário do que pelo contato físico. Em situações do cotidiano, talvez essas pessoas não se relacionassem como um casal, mas, por conta do imaginário, é possível moldar e criar um amor idealizado; uma paixão platônica. É o magnetismo do mistério que persuade os instintos, os pensamentos e os sentimentos. Basta observar o contexto criado por Alencar: no decorrer da obra, Carlota explica que já conhecia o narrador e que já existia uma paixão antes de encontrá-lo no ônibus. Entretanto, o narrador desconhecia a existência da jovem e se apaixona somente após a cena enigmática ocorrida no coletivo.
Ao realizar associações do livro Cinco Minutos a um momento atual, um docente, por exemplo, pode convencer seu educando com argumentos comparativos – uma maneira didática de interagir a obra e o contemporâneo ao estudo de Literatura.

Assim, no que se refere à essência da obra, é possível afirmar que um dos destaques deste romance atribui-se ao magnetismo de um mistério – capaz de mudar o percurso de vida de uma pessoa e idealizar um grande amor. Provavelmente, ao escrever Cinco Minutos, a preocupação de José de Alencar não tenha sido a de instigar que o amor pode ser uma ilusão criada pelo acaso ou que pode ser manipulada pelo mistério ou pelo destino. Talvez, sua única preocupação tenha sido baseada na convicção de que, quando existe o amor, tudo é possível; tudo se supera.